quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O sentimento de paraíso e inferno



"Era um dia absolutamente glorioso pela sua beleza. Enquanto esperávamos, ficamos olhando as brincadeiras de um grupo de gaivotas marinhas, cujas asas eram de um branco que brilhava, enquanto elas faziam seus vários círculos voando diante de um céu do mais claro e suave azul, aproximando-se uma das outras como que se saudando, e, então, mergulhando outra vez para, novamente, repetir a manobra, emitindo sons de alegria e deleite, compondo um espetáculo de rara beleza, que penetrava até o íntimo do coração de quem se recuperava, induzindo a um sentimento de êxtase com as possibilidades de felicidade e de uma vida natural e saudável que esse simples fato nos comunicava. Embora eu também estivesse absorvido pela beleza do cenário, e não menos do que minha companheira, não pude deixar de observar o maravilhoso efeito que isso nela causava, e um pensamento surgiu em minha mente: "Esse é o melhor remédio de todos os que ela já teve”.
            “Enquanto olhávamos e sentíamos o cenário, um tiro foi disparado de um barco com alguns homens e mulheres, o qual, sem que percebêssemos, havia chegando desde a parte oposta do píer; e imediatamente um dos pássaros caiu no mar, onde ficou flutuando em agonia com uma asa ferida, enquanto seus companheiros voavam ao redor com gritos ásperos e discordantes; e num só instante toda a cena brilhante se transformou, de inocência e deleite, em profundo abatimento e tristeza. Era um assassinato cometido num Éden, seguido por um eclipse quase instantâneo de tudo o que o tornava o próprio Paraíso. Mary estava atônita. O seu organismo recentemente tão combalido sucumbiu sob o choque em uma convulsão de sentimentos. O seu impulso era de se jogar no mar para socorrer o pássaro ferido, e foi com dificuldade que consegui detê-la; e tão somente após dar vazão a uma agonia com muitas lágrimas, e de despejar sobre a turma de onde havia sido disparado o tiro uma tempestade de acusações e impropérios, com risco iminente até mesmo de ser detida, enquanto eles vinham para a terra, segurando o pássaro, agora já morto, como um troféu. E somente com muito esforço eu consegui levá-la de volta para o hotel. Pelas próximas vinte e quatro horas ela ficou completamente alterada, em um estado de rancoroso torpor."

Ralph Shirley – Anna Kingsford and Edward Maitland. Mandrake Press, Thame, Inglaterra, 1993. 23 p.]

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